O dia em que a verdade ficou do lado de fora.


“Quem quer a verdade?”, “Olha a verdade!”, grita o feirante na praça matriz em Aquiraz. Terá ele uma boa venda? Conseguirá vender tudo? Particularmente acho que não. O clima não está para verdade. O preço é alto e os concorrentes são muitos. Há quem se empolgue com ela, mas a euforia não dura muito. Alguns olham, outros tocam, há quem se arrisque a provar, mas logo cedem. A “verdade pura” que o feirante oferece ao povo da primeira capital do Ceará vem junta a um pacote com muitas consequências. Alguns tentam negociar comprando a verdade sem levar o pesado pacote, mas o feirante é duro; ele não sede. Para ele, meia verdade é uma mentira inteira.



Perto dali, na câmara dos vereadores, um grupo de agentes de saúde luta pelo aumento salarial. Na verdade, trata-se de um aumento no “incentivo”. A câmara está lotada. A ATA é lida, mas em vão, pelo menos para mim. O “zum zum zum” corre frouxo e impede que se escute as decisões da última sessão. Explico: são as agentes de saúde acertando os últimos detalhes para o grande momento.


A sessão começa e a pauta tão esperada é apresentada. A proposta colocada é de 30% acima do valor já oferecido, 90 reais, ou seja, as agentes de saúde passariam a ganhar 117 reais de incentivo. Depois de feitas as colocações por um dos vereadores que havia acordado com as agentes antes da sessão, o som das palmas enche a câmara. As agentes estão eufóricas. É o aumento que está chegando. Logo em seguida, outro vereador faz uma colocação importante: “o aumento poderia ser maior, talvez acima de quinhentos reais”. “Vocês se contentaram com pouco”, repreende o representante do povo. Novamente as agentes aplaudem. Podem-se ouvir palavras de ordem. Entretanto, o primeiro vereador rebate assegurando que outras prefeituras não repassam essa verba como estava sendo proposto.

A pergunta ficou no ar: Quem estava com a verdade? O primeiro vereador? O segundo? Seria o primeiro um cara “pé no chão” que estava cedendo o que podia do orçamento em benefício do povo ou estavam retendo o que não lhe era devido? Seria o segundo um cara chateado com o desperdício de oportunidades das agentes ou só soltou uma informação duvidosa para criar um rebuliço colocando em cheque a “bondade” da proposta apresentada? Não sei. Sinceramente, não sei. Qualquer palavra aqui seria injusta, pois falta-me informações. Mas, fiquei esperando um debate com informações sólidas e precisas. Afinal é justo o aumento? É irresponsável? Não sei. Só sei que quem estava lá ficou sem a verdade.

Olhei para os outros vereadores, e o silencio, digo, a indiferença descomprometida os anestesiou. O feirante estava do lado de fora. Ninguém bateu palmas para ele. Mesmo assim, ele gritava “olha a verdade”, “quem quer a verdade?”. Os vidros não deixavam sua voz ressoar na câmara. O salário aumentou na mesma proporção em que o interesse pela verdade se esvaio. Naquela tarde de aumento salarial, o povo se contentou com o dinheiro (pouco ou muito, justo ou injusto, não importa), e com nenhuma verdade. O que não sabem é que a vida sem verdade sai caro e não há salário que pague.

O feirante se foi. Quem sabe na próxima sessão ele consiga vender seu produto. Alguém me disse que ele tinha oferecido a verdade em uma igreja, mas achavam que estava possesso por demônios e o expulsaram. Em outra, o povo estava mais preocupado com a saúde, com o salário, com os bens e, como os vereadores silenciosos da câmara, simplesmente o ignoraram. Pobre feirante. Vende um produto caro e que poucos buscam.

Naquela sessão da câmara alguém raciocinou da seguinte forma: "para que a verdade, se temos um aumento?", ou, "Para que a verdade se posso me promover com informações duvidosas?" ou ainda, "Para que a verdade, se ela torna as coisas mais difíceis?". Nem todos pensaram assim, mas todos foram apáticos. Os vereadores que se manifestaram levantaram-se em nome da verdade, é fato, mas nenhum com a resolução e o amor que se exige de quem a anuncia. A apatia dos outros se manifestou no silêncio. A velha omissão dos fracos.

As palavras de Jesus me vêm à mente: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Liberta o povo de Aquiraz Senhor.

Perfil

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Rômulo Monteiro alcançou seu bacharel em Teologia (Seminário Batista do Cariri – Crato/CE) em 2001; concluiu seu mestrado em Estudos Bíblicos Exegéticos no Novo Testamento (Centro de Pós-graduação Andrew Jumper – São Paulo/SP) em 2014. De 2003 a 2015 ministrou várias disciplinas como grego bíblico e teologia bíblica em três seminários (SIBIMA, Seminário Bíblico Teológico do Ceará e Escola Charles Spurgeon). Hoje é professor do Instituto Aubrey Clark - Fortaleza/CE) e diretor do Instituto Bíblico Semear e Pastor da PIB de Aquiraz.-CE Casado com Franciane e pai de três filhos: Natanael, Heitor e Calebe.