Esse pequeno artigo tem em vista a relação igreja-pastor. Nossa metodologia é simples: Vamos criar uma história fictícia para ilustrar o início dessa relação e suas implicações. Lembre-se, qualquer semelhança é “coincidência”. Vamos escolher nomes excêntricos tanto para o pastor quanto para a igreja. Nosso pastor será chamado de Adventício de Pára-quedas da Silva e a igreja será chamada Igreja do Fica.
AS EXPECTATIVAS.
A chegada de um pastor a uma igreja gera uma expectativa muito grande. Por “muito grande” quero dizer “muito variada”. Um simples teste confirmará essa realidade: Pergunte a cinco membros de uma mesma igreja o que eles esperam de um pastor e eles te darão cinco respostas diferentes.
Alguns comparam essa relação a um casamento. Acho que, pelo modelo atual de convite e reconhecimento, acrescentaria mais elemento a essa metáfora: é um casamento feito às pressas. Mas, acho que pela forma como o encontro se dá e como termina, o “ficar” das "baladas" seria uma metáfora mais precisa, pois nesse modelo de relacionamento, um se achega e descarta o outro com muita rapidez e facilidade.
Alguns comparam essa relação a um casamento. Acho que, pelo modelo atual de convite e reconhecimento, acrescentaria mais elemento a essa metáfora: é um casamento feito às pressas. Mas, acho que pela forma como o encontro se dá e como termina, o “ficar” das "baladas" seria uma metáfora mais precisa, pois nesse modelo de relacionamento, um se achega e descarta o outro com muita rapidez e facilidade.
O PRIMEIRO ENCONTRO E O CONVITE
Como em qualquer primeiro encontro, pouco se conhece de cada um. De um lado um seminarista cheio de idéias e expectativas; cheio de frases de efeito, todas aprendidas, digo, decoradas, no Seminário ou nos seus incontáveis manuais de teologia. Aqui vale um parêntese para o papel do seminário na formação do pastor. Sendo direto e claro: Seminário não forma pastor. Ele dá suporte, o que é bem diferente. Na maioria das vezes, somente um suporte acadêmico. Só. E isso é muito pouco quando olhamos para o mundo do ministério pastoral. Não tenho nada contra seminários. Sou professor em um. Mas já vi seminaristas no último ano sendo chamado de pastor; já vi diretores de seminário sendo chamados de pastor só por ser diretor de seminário; já vi professor de seminário ser chamado de pastor, por ser professor de seminário. Que princípio está permeando essa realidade senão o de que o seminário é determinante na formação de um pastor? A idéia é: quem está ligado ao ensino no seminário ou é (por ser professor ou diretor), ou será (aluno) pastor. Ainda há os que buscam um seminário interno achando que terão uma formação melhor. Será? Se ele não consegue estudar no convívio da sua igreja, sem o isolamento proposto pelo seminário interno, conseguirá estudar quando estiver no ministério? Esclareço que não sou contra alguém procurar um seminário interno (sou fruto de um e não estou cuspindo no prato que comi), mas questiono o propósito de muitos que se chegam a eles. A lógica de muitos é: Seminário Interno = mais estudo, mais aprendizado. Seminário Externo= menos estudos, menos aprendizado. Se a sua perspectiva for essa, precisa entender melhor o que vem a ser aprendizado. A influência do seminário é tamanha, que as igrejas não conseguem enxergar no seu meio homens capacitados (em ensino e vida exemplar), e buscam no seminário o que já possuem.
Voltemos ao primeiro encontro. Primeiro ele é convidado para pregar. Aqui o seminarista faz aquela seleção; um verdadeiro apanhado de seus sermões e seleciona aquele que já pregou "trocentas" vezes. Ele sabe pregá-lo sem anotações. O domínio é total. O povo não entende muito; é verdade. Alguns irmãos, que seriam caracterizados como analfabetos funcionais (muitos em nossas igrejas), não alcançam muito, mas concluem que o rapaz sabe das coisas. “Você viu na hora que ele falou uma palavra esquisita?”. “O homem sabe até hebraico”. “O que é hebraico mesmo?”; “Acho que é o irmão de Moisés”, "Que nada, é língua do povo chinês". Como se espera, as pessoas gostam. Geralmente mais da forma (homilética) do que do conteúdo (exegese). Imitando o apóstolo aos gentios, vamos a mais uma digressão. Agora sobre pregação. Aqui cito uma experiência pessoal. Quando prego uso um método (homilética) simples. Segue: 1) Leitura do texto; 2) Explicação do texto; 3) Aplicação. Só. Sem primeiro, segundo, terceiro....ponto; sem sentença de transição...Porque cito isso? Explico: Algumas vezes tenho recebido, logo ao descer do púlpito, uma "crítica velada" especificamente de colegas (pastores) sobre a minha pregação. Elas se repetem quase que ipsissima verba. É mais ou menos assim: "Muito simples, mas muito edificante". O que um pastor quer dizer para um colega quando diz que sua pregação é simples? Entendo, espero que esteja certo, que se trata uma questão de estética e não de conteúdo ou entendimento. Assim, parece que não é só o povo que valoriza mais a forma do que o conteúdo. Cuidado com o zelo extremado pela apresentação, você pode pregar por cima das cabeças do seu povo.
A segunda fase é marcada: uma sabatina. No princípio tudo bem, as perguntas são gerais, e ele se dá bem. Mas, o candidato logo nota que as perguntas não são as mesmas do exame doutrinário feito no final do seu curso de teologia. Ninguém cita grandes teólogos, nem se faz referência a qualquer palavra grega, nem ao menos se faz uma pergunta que exigiria uma “manobra exegética” mais aprimorada. Nada. Aqui voltamos a digressão feita no parágrafo anterior. O povo não quer saber de teologia por entender que esse é o papel do seminário. Aqui a igreja recuou e terceirizou seu ministério de formação de pastor. Uma pena. Ela, a terceirização, está em todos os lugares na igreja. Pense comigo: quem tem que receber bem o visitante? Quem tem que visitar? Quem tem que discipular? Quem tem que pregar o evangelho? Alguns não dizem, mas pensam: “Pra que fazer? A gente paga alguém para isso”.
Voltando a sabatina; de repente, um diácono, que já está na igreja há séculos, faz uma pergunta muito específica. Não vou citar a pergunta; você pode imaginar uma. Mas é daquelas que envolvem gosto pessoal. O seminarista pensa: “Se disser o que penso posso perder minha ‘vaga’”. Afinal, é o gosto do dono da igreja, digo, do diácono antigo. O momento é de tensão. O seminarista fala consigo mesmo: “Não seria bom interromper para dá uma ligada para seu professor de teologia?” Um “não” de uma igreja para muitos é o mesmo que o “não” para um salário no final do mês; ou, sendo mais específico, um não para o leite do filho. Ele resolve ser político. Não diz nem “sim”, nem “não”, e a igreja do Fica o aprova.
OS PARÂMETROS DE AVALIAÇÃO
Alguns meses passam e o Pr. Adventício percebe que a sabatina não terminou. Ele está sempre sendo avaliado, medido e julgado. Mas, que parâmetros os crentes usam para a avaliação de seus pastores? O que tem levado crentes a afirmarem que amam, odeiam, não gostam ou simplesmente suportam seus pastores? Garanto, que, para a grande maioria (não todos, claro), esse parâmetro está longe das Escrituras. Pelo menos foi assim com a Igreja do Fica. Aonde vão buscar seus parâmetros, então? Muito provavelmente no pastor da TV, ou quem sabe no pastor “do poder”. “Esse, sim, é um pastor de verdade”, dizem os empolgados. Outros vão buscar no pastor da igreja mais próxima. “Aquele sim é um pastor, ele faz…”. Há os que voltam ao antigo pastor e com suspiros dizem: “Ah, no tempo do pastor Fulano…bons tempos”. E, não tenham dúvidas, muitos, ainda encharcados da cosmovisão sacerdotal católica, supervalorizam seus pastores os tratando como “intercessores diferenciados”, verdadeiros "padres de gravata". Pior, há pastores que se vêem assim. “Somos os ungidos do Senhor”, afirmam. Aqui vale uma outra digressão para meditação: o uso da gravata não reforça essa deturpação? O que está por trás da distinção dos pastores por suas vestes? Sinto um leve cheiro de sacerdotalismo. Mas é bem leve. Entendo que as roupas (de todos) devem se enquadrar na formalidade que o evento (adoração formal) requer.
Voltando ao convite feito pela Igreja do Fica. Para onde vão os parâmetros de 1 Timóteo 3? Não vão; eles ficam presos no texto. Governar bem a própria casa, por exemplo. Como avaliar tal qualidade se o povo não teve tempo de convivência. Como saber se ele não é dado ao vinho? Como saber se ele realmente é irrepreensível? Em outras palavras, como ele tem “credibilidade” se todo convívio nessa relação foi previamente preparado? Aqui vale relembrar as palavras de Paulo em 1Timóteo 5.22, 24-5: “A ninguém imponhas precipitadamente as mãos. Não te tornes cúmplice de pecados de outrem…Os pecados de alguns homens são notórios e levam a juízo, ao passo que os de outros só mais tarde se manifestam. Da mesma sorte também as boas obras, antecipadamente, se evidenciam e, quando assim não seja, não podem ocultar-se”.
EFEITOS DE UM MODELO CAPENGA
O fato é que, no modelo da Igreja do Fica, o pastor entra sem o respeito conquistado na igreja. Ele para a igreja, assim como a igreja para ele, é uma incógnita. Em alguns casos, uma aposta cega. Dentro desse modelo, essa relação inicial é problemática, pois nesse processo de conquista de autoridade, pastores como Adventício assumem o que não lhes é exigido na Palavra a fim de conquistar os irmãos (falaremos disso no próximo parágrafo). No modelo bíblico, o pastor é indicado ou escolhido exatamente por já ter manifestado, no meio do seu povo, as qualidades apresentadas em 1 Timóteo 3. Até porque os parâmetros de avaliação de 1 Timóteo 3 exigem convivência. Ele é aceito porque é respeitado. Diferente de Adventício que foi aceito a fim de buscar respeito.
Nesse processo de busca por respeito, aceitação ou respaldo, o pastor vai além do que lhe é devido. Vamos pensar no pode ser feito por qualquer membro da comunidade dos santos: discipulado e batismo. Talvez o segundo item traga divergências, mas fica aqui a observação de que em Mateus 28:19 batismo está ligado à prática do discipulado. Em outras palavras, eu faço discípulo batizando e ensinando. Voltemos ao pastor Adventício e sua busca por reconhecimento. Para mostrar serviço à igreja ele jamais deixaria uma outra pessoa batizar. Isso certamente não decorre de uma exegese em Mateus 28, mas da insegurança de quem ainda não foi reconhecido. Monopolizando o batismo ele se torna mais necessário. A igreja, por sua vez, fica feliz porque se sente fazendo seu papel, quando, na verdade, o está terceirizando.
Vamos a um outro exemplo de “monopólio pastoral” ou “terceirização”. Mateus 18:15 diz: “Se teu irmão pecar contra ti, vai argüi-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão”. O irmão Metíodo chega para o Pr. Adventício e fala de um problema com outro irmão. Adventício sabe que não pode, nem muito menos deve se envolver na questão, pois a orientação do Senhor Jesus é clara: “entre ti e ele SÓ”. Mas, para mostrar serviço, ele se faz um verdadeiro bisbilhoteiro. Monopolizando a resolução de problemas entre irmãos ele se torna necessário. Se alguém perguntar a Adventício porque ele faz isso, acho que não saberá como responder, ou, procurará um verso perdido na Escritura para justificar sua atitude, mas o fato é que ele tem medo. Medo de não ser reconhecido; medo de ser confundido com um preguiçoso que não se envolve nos problemas dos irmãos; medo de perder espaço. Porque a busca pelo espaço? Porque quando um pastor chega na Igreja do Fica ele ainda não tem. Nessa busca por espaço, Adventício toma o dos outros. Aliás, se entendemos que autoridade envolve reconhecimento; nem autoridade Adventício tem. Ele a está buscando.
Que Deus ajude os Adventícios e as Igrejas do Fica a corrigir as sérias implicações do seu primeiro encontro. Que aquilo começou como um “fica” torne-se um casamento duradouro, como, pela graça e misericórdia de Deus, tem acontecido em muitas igrejas. E as igrejas que pensam em "ficar", que levem mais à sério esse relacionamento não dando saltos no escuro, mas buscando, no convívio da comunidade, homens já aprovados por demonstrações de piedade e capacidade de expor a Palavra ("apto a ensinar"). Caso esses mesmos homens precisem de aperfeiçoamente teológico, há institiuições de ensino (seminários) que o ajudarão nessa área.
Julguem-me somente pelo que disse!!!
Parabéns pela postagem pastor!
ResponderExcluirEspecialmente no parágrafo relacionado a chamada "unção do ministério". Já ouvi de muitos crentes coisas assim:
"Cuidado, não mexa com o ungido de Deus"
"Olha o Pastor é um homem separado por Deus, não se meta com ele que é perigoso"
Acham o que Ministro possui uma unção especial, diferenciada, que o coloca acima dos demais crentes.
Agora um dúvida, se o sr poder responder:
Por que quando ocorrem problemas entre a igreja e o pastor a presunção de inocência é sempre um privilégio do Ministro?
Percebo que na maioria dos casos sempre a igreja é presumida culpada e o pastor é sempre a vítima.
Abraços
Denilson
Bem, em primeiro lugar agradeço a participação no post. Os comentários sempre enriquecem o artigo. Quanto à declaração de inocência por parte do pastor na sua relação com a igreja, discordo da sua colocação de que sempre o pastor se coloca com inocente. Conheço alguns colegas que reconheceram seus erros em público.
ResponderExcluirPortanto, não vamos criar uma regra aqui. Atribuir culpa a alguém antes de uma análise cuidadosa é extremamente precipitado. Fiquemos, pois, com as palavras do sábio Salomão em Provérbios 18.17: “O que começa o pleito parece justo, até que vem o outro e o examina”.
Tratando da relação igreja-pastor, na grande maioria das vezes (não quero ser categórico), como acontece com outras relações (e.g., marido-esposa; empregado-patrão), ambos tem algum nível de culpa quando surge algum tipo de conflito na relação. Portanto, meu conselho para ambos sempre se dá em forma de desafio: “o que você (igreja ou pastor) fez para que a situação chegasse a esse ponto?”. Para tal questão vale uma máxima que, a princípio parece uma fuga, mas é aconselhada por ser expressão de prudência no julgamento de relações complexas: “cada caso é um caso”.
Abração!!!
Pr. Rômulo,abraço!
ResponderExcluirSou pastor há muitos anos, as vezes que fui entrevistado por Igrejas como candidato, respondí as perguntas que a comissão me fazia (nem sempre relevantes) e as que não me fazia. Sabendo das expectativas que geralmente são alimentadas, fazia questão de expor minhas fragilidades antes de receber o convite. Exemplo: "Vocês querem um pastor que faça a igreja crescer numericamente em níveis impressionantes?" "Eu não sou esse tipo de pastor". "Vocês querem um pastor completamente imerso na vida denominacional?" "Não sou esse tipo de pastor". "Vocês querem um pastor chamado visitador?" "Não sou assim". Aproveitava para prepará-los para as minhas limitações. Enquanto, no coração, ocultava meus pontos "fortes" para surpreendê-los depois de assumir a Igreja caso fosse convidado. Momentos críticos: Uma vez na sabatina, alguém perguntou: "Que acha do nosso seminário?" Respondí na bucha: "Muito fraco". O fato é que em todas as vezes fui convidado por unanimidade. Assumia sem ter nas costas o peso das expectativas irreais. Das minhas fraquezas eles já estavam avizados, isso dava a chance de minhas pequenas virtudes serem surpreendentes e admiradas como se fossem grandes.
Pr. Rômulo,
ResponderExcluirAguardo sua resposta á convite enviado ao seu e-mail!
Pr.Charles Bronson
Mossoró/RN
Caro Pr. Cleyton, é um prazer para mim ter sua participação no blog. Agradeço suas sábias e experientes colocações. Sempre estarei pronto a ouvi-las e, a essas especificamente, digo amém.
ResponderExcluirAbração!!! Estou com saudades das nossas conversas!!!
Para enriquecer a discussão:
ResponderExcluirJoão Calvino e a pregação das Escrituras
Precisa ser ressaltado que Calvino acreditava que Paulo havia providenciado um modelo para o ministério da Palavra, quando falou sobre como ele, Paulo, não cessava de admoestar tanto "publicamente" quanto de "casa em casa".
Por ter uma verdadeira preocupação pastoral por aqueles para quem estava pregando, Calvino procurou visitá-los em seus lares. "O que que quer os outros pensem", Calvino escreveu, "não julgaremos o nosso ofício como algo que possui limites tão estreitos, que, terminado o sermão, possamos descansar achando que concluímos a nossa tarefa.
Aqueles cujo sangue será requerido de nós, se os perdermos por causa da nossa preguiça, devem receber cuidado mais íntimo e mais vigilante". Portanto, a pregação requer ser suplementada com uma entrevista pastoral. "Não é suficiente que, do púlpito, um pastor ensine todas as pessoas conjuntamente, pois ele não acrescenta instrução particular de acordo com a necessidade e as circunstâncias específicas de cada caso". Calvino insistiu que o pastor precisa ser um pai para cada membro da congregação.
(Ferreira, Franklin, Revista Fé para hoje, Calvino 500 anos, Editora Fiel)