Ponderações de um pai

Um turbilhão de pensamentos assola-me. Meu segundo filho nasceu. E eu não poderia deixar de escrever sobre tamanho evento. Depois de decidir escrever a questão que se seguiu foi: Sobre o que escrever? Resolvi apropriar-me da “liberdade internauta” e escreverei sobre tudo que me veio à mente nessa experiência fantástica.

Em primeiro lugar, pensei no fato de ter sido um menino e não uma menina. Quem me conhece de perto, sabe o quanto enfatizo que a realidade de que masculinidade tem cada vez mais sido ignorada nos últimos anos.
Agora tenho que aplicar minha pregação na vida do meu novo filho. Não tenho dúvidas de que Deus me deu mais um menino para poder torná-lo um homem. É isso mesmo. Masculinidade não vem no pacote; ela é conquistada. E são muitos os que ficam pelo caminho. Esses escolhem a passividade do controle remoto, o silêncio da cama muda, a grosseria do sexo em benefício próprio. Que Deus me ajude a tornar meu pequeno Heitor, no homem Heitor. Homem ativo, com lábios sábios e um amante servil. Um homem.
Falando em Heitor. Também refleti no nome escolhido. Apesar de admirar Heitor Villa Lobos e o deputado estadual do meu estado, Heitor Férrer, não pensei em nenhum deles quando escolhi o referido nome para meu filho. Pensei no Heitor da Ilíada de Homero. O maior guerreiro de Tróia. Um homem de caráter, guerreiro, mas que ainda assim priorizava a família. Há quem diga (eu também, claro) que ele é o verdadeiro herói de Homero. Segundo Bulfinch, estudioso da mitologia grega, Heitor é “um dos mais nobres caracteres pintados pela antigüidade”. Seu caráter como pai não é menos admirável do que como guerreiro. Um equilíbrio valioso – santo.

Pensei no seu físico. Como seria seu corpo? A cara do pai? Da mãe? Tudo isso, porém, era mais curiosidade do que desejo. Desejo mesmo era por sua saúde. Digo, saúde espiritual. Oro para que seja um homem que glorifique a Deus em tudo. “E o que mais?”, alguém pode perguntar. “O mais”, com Deus, isso certamente será acrescentado. Mas ainda será o resto.
Com isso não estou negando que desejo sua saúde física do meu pequeno. Mas reconheço que não há saúde que resista ao tempo. O mesmo não pode ser dito sobre a saúde espiritual doada por Cristo. Aqui uso as palavras do meu Senhor Jesus: “aquele, porém, que beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna”. (João 4:14). Que o Heitor beba da águas que o levam à eternidade.
Pensei na relação com seu irmão, Natanael (oito anos). Coincidiu de está estudando, exatamente nesse período, o livro de Gênesis. Lendo o capítulo 4 lembrei de que a primeira relação entre irmãos nas Escrituras foi catastrófica. Para quem não lembra, o mais velho matou o mais novo. Há também outras histórias problemáticas envolvendo irmãos: Jacó e Esaú, Ismael e Isaque, José e seus irmãos mais velhos. No Novo Testamento a coisa não muda. Lá encontramos os irmãos de Cristo conspirando contra Ele em João 7. Poderia citar os problemas com os filhos de Davi que se mataram,  ad infinitum. O interessante dos exemplos citados supra é que o fato de serem irmãos ajudou a acentuar os problemas.
O problema entre irmãos é semelhante ao problema suscitado pela intimidade, onde o exercício do amor e da justiça são mais cobrados e avaliados. Fico, pois, com o reconhecimento da dificuldade da relação entre irmãos e ao mesmo tempo com a esperança de que Heitor seja um grande amigo do seu irmão.
Arrazoei também na gravidez e na possibilidade de filhos. Minha mente foi direto para Gênesis 3 onde encontramos as palavras de Deus logo após o pecado do primeiro casal. Na passagem que muitos chamam de maldição, temos na verdade uma mitigação da maldição, pois mesmo depois do pecado, temos uma palavra sobre descendência – sobre filhos. Ter filhos, pois, é uma clara manifestação da misericórdia de Deus. Mesmo depois do pecado posso ter filhos. Obrigado Senhor.
Ainda pensando em gravidez, veio-me à mente uma expressão muito usada nesse período: milagre. Para ser sincero vejo alguns problemas com a aplicação dessa palavra para definir a maternidade e/ou a concepção. Em primeiro lugar, por que trata-se de algo corriqueiro. Não estou dizendo “trivial”, nem muito menos “banal”, mas “comum”. Para ficar mais claro, só quero dizer que concepção é algo que sempre está acontecendo. Milagre nas Escrituras não são tão comuns como imaginamos. Aliás, nas Escrituras, concepção é milagre quando a pessoa em questão é estérea ou avançada em idade, ou os dois.
Não costumo categorizar milagres em três períodos históricos como alguns colegas fazem. Eles dizem que Deus realizou milagres em três grandes períodos. Moisés, Elias e do Senhor Jesus. Penso que Deus realiza milagres em todas as épocas. Todos os profetas eram respaldados por sinais sobrenaturais. Pensando especificamente em Moisés, seu diferencial para com os demais é que ele se torna o padrão a ser seguido visto que ele estabeleceu os padrões para se conhecer um profeta. No caso do Senhor Jesus, temos nEle o ápice da revelação de Deus ao homem (cf. Hebreus 1).
Tenho minhas dúvidas sobre o real efeito da categorização das “eras de milagres”. Acho que ela pode diminuir nossas expectativas quanto a Deus. Afinal de contas, alguém pode afirmar: “não estamos vivendo na “era dos milagres” mesmo!”
O fato é que não podemos afirmar, de forma categórica, que Deus não pode falar com um servo Seu ou fazer milagres. Se estivermos vivendo em um período especial de revelação ou não, na prática, isso não deve diminuir meu desejo por milagres e revelações. Se há uma possibilidade (de milagres e/ou revelações), por menor que seja, como servo de Deus, sempre vou e devo esperar que elas aconteçam.
Do outro lado, hoje em dia existem pessoas que não somente acham que Deus pode fazer um milagre em sua vida, mas vários milagres diários. Acho que nosso papel é crer no poder de Deus de fazer milagres. Quantidade e tempo é com Ele.
A segunda razão para não usar a expressão “milagre” para gravidez é por que tal denominação pode (ou parece) pressupor: (1) Que Deus só age miraculosamente. (2) Ou, por quererem ressaltar que Deus está envolvido no processo, o denominam “milagre”.
Não tenho dúvidas de que Deus está envolvido no processo, mas não chamaria isso de “milagre”. Isso seria banalizar o termo. Meu filho Heitor é, sem dúvidas, fruto da obra de Deus. O Salmo 127 não me deixa esquecer disso. No verso 3 Salomão deixa claro que ele é herança do Senhor. É interessante o contexto do salmo. Começa afirmando que no final das contas não depende de nós, nem a edificação, nem a segurança das nossas casas. Deus trabalha por nós, afirma o verso 2. O verso três afirma que os filhos são herança. Seguindo o contexto, os filhos são exemplos reais de como o Senhor trabalha por nós. Gosto das palavras de Eugene Peterson: “Em contraste com o trabalho ansioso que constrói cidades e vigia posses, o salmo louva o trabalho sem esforço de fazer crianças”. E continua: “Nós não fizemos essas criaturas que maravilhosas que andam e falam e crescem entre nós. Participamos num ato de amor que foi providenciado na estrutura da criação de Deus”.
Pensei na disciplina que Deus exige para com as crianças. Confesso necessitar repensar algumas passagens. Particularmente acho que há uma estrapolação na interpretação de versículos que lidam com a disciplina. Alguns cristãos só conseguem entender disciplina física como a única forma de disciplina. Acredito na vara por que acredito em castigo e punição como meios legítimos de aprendizado. Contudo, não creio que a Bíblia nos apresente o procedimento exato para aplicar a disciplina física. Temos alguns princípios.
Por outro lado, não podemos esquecer que recompensar também é uma forma de disciplinar. Sobre recompensa fico com as palavras de C. S. Lewis: "Há diferentes tipos de recompensa. Existe a recom­pensa que não tem conexão natural com as coisas que se faz para recebê-la, e é totalmente estranha aos desejos que deveriam acompanhar aquelas coisas. O dinheiro não é a recompensa natural do amor; é por isso que dizemos que um homem é mer­cenário quando se casa com uma mulher por causa do dinheiro dela. Mas o casamento é a recompensa apropriada para quem realmente ama, e este não é mercenário quando o deseja.". Que como pai possa exercer bem o papel de recompensador eliminando qualquer espírito mercenário.
Ainda pensando em disciplina. O Salmo 58 nos ensina que o ímpio se desvia desde o ventre (v.3). Há um fato inquestionável: meu filho é um pecador. Eu sou um pecador. E não posso ignorar esse fato no meu lidar com ele.
Por fim, reconheço que o Heitor não é meu. Deus é seu proprietário por excelência.
Heitor, filho amado e esperado, você, assim como seu irmão, não são meus. Vocês são do Senhor. Assim como a mãe de vocês e ministério pastoral a mim conferido, nada me pertence.

4 comentários:

  1. Ei pastor, parabéns pelo Heitor!!!! rimou!

    Que legal esse seu artigo/desabafo.

    Espero que além de tudo isso que o sr. falou, esse garoto seja um corinthiano.heheheh

    Abração

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  2. Diz homem!

    Certamente ele não será corintiano, por uma razão simples: pretendo educá-lo.

    É de conhecimento da massa corinthiana que uma das marcas do corinthiano é não saber escrever nem falar o nome do seu próprio time. Corinthiano que é corinthiano não diz Corinthians, mas “corintia”.

    Valeu!!! Esperou vê-lo em Fortaleza próximo ano.

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  3. Pastor, parabéns pelo filho, pela escolha do nome (também vejo o personagem Heitor como exemplar) e pelo artigo muito bem escrito. Espero que o menino herde a inteligência e gosto pelas Escrituras do pai, deixa a beleza para a mãe (hhehe).

    Espero ter a oportunidade de ouvir novamente suas opiniões teológicas sempre bem embasadas, suas dicas de livros em inglês que só vc conhece, suas recentes considerações escatológicas (essas estou ansioso por ouví-las), ainda que fora da sala de aula.

    Grande abraço e muitas felicidades!

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  4. Diz Edson,

    Bem, como sei do seu interesse por escatologia, quero adiantar que agora estou lendo muito sobre a segunda vinda de Cristo e sua relação com a tribulação visto que preciso fazer um trabalho do mestrado sobre o assunto. São exigidas 2000 páginas. No final escreverei um artigo sobre o tema e postarei. Espero que possa ajudá-lo. Abração!

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Perfil

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Rômulo Monteiro alcançou seu bacharel em Teologia (Seminário Batista do Cariri – Crato/CE) em 2001; concluiu seu mestrado em Estudos Bíblicos Exegéticos no Novo Testamento (Centro de Pós-graduação Andrew Jumper – São Paulo/SP) em 2014. De 2003 a 2015 ministrou várias disciplinas como grego bíblico e teologia bíblica em três seminários (SIBIMA, Seminário Bíblico Teológico do Ceará e Escola Charles Spurgeon). Hoje é professor do Instituto Aubrey Clark - Fortaleza/CE) e diretor do Instituto Bíblico Semear e Pastor da PIB de Aquiraz.-CE Casado com Franciane e pai de três filhos: Natanael, Heitor e Calebe.