Paradigmas interpretativos e uma meditação em 1 Coríntios 13.8-13.

Certamente todas as colocações feitas em 1 Coríntios 13.8-13 têm implicações para o debate entre cessacionista e continuístas. Contudo, não é meu objetivo entrar nessa peleja – pelo menos diretamente – uma vez que não se pode fugir completamente dela se nos propormos a interpretar o texto.



As palavras que seguem são considerações exegéticas que, para mim, ganharam status de paradigmas ou pressupostos interpretativos. Ou seja, interpretações que ignorem ou contrariem as colocações abaixo são, a priori, censuráveis. Para mim, o que se segue abaixo é o “menor irredutível” quando o assunto é a interpretação de 1 Coríntios 13.8-10. Evidentemente que tais considerações podem perder tamanho status uma vez que entenda (e você pode me ajudar nisso) que o próprio texto as recusa.


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1.      A verdade central e desenvolvida a partir do verso 8 é: “o amor não falha” (NIV, ARC), “perece” (NVI) ou “acaba” (ARA) (pi,ptw [ou evkpi,ptw segundo o TMaj])Diferente dos dons, ele não pode ser “abolido” (katarge,w) ou “parado” (pa,uw)Ele “permanece” (me,nw – v. 13). Tudo que é dito a seguir tem como objetivo a ratificação dessa verdade: o amor não tem fim. No arremate da argumentação temos “permanece” em contraste com “jamais falha (acaba)”. A grandeza do amor (u`perbolh.n o`do.n cf. 12.31) está exatamente em permanecer mesmo com o advento do “perfeito” (perfeição). O que não acontece com a fé, com a esperança e com qualquer dom (cf. Rm. 8.24).


2.      A comparação/contraste é feita entre o amor e os dons (manifestações do Espírito) e não somente entre alguns dons (ou o conhecimento dado por eles) e o amor. A expressão comparativa “caminho sobremodo excelente” (u`perbolh.n o`do.n) em 12.31 é para com os dons. Assim, a presença de línguas, profecias e conhecimento é simplesmente exemplificadora e não exclusivista-limitadora. Deste modo, o que Paulo fala sobre línguas, profecias e conhecimento deve ser aplicado a todos os dons (e manifestações) citados anteriormente.


3.      A natureza da comparação/contraste é temporal. A relação entre os elementos dêiticos “quandoentão (o[tanto,te v.10, v.11 [2vezes]), “agora…então” (a;rtito,te v.12 [2 vezes], nuni,v.13) e a força lexical de “permanece” (v.13) em contraponto a “abolido” (katarge,wou “parado” (pa,uw) reforçam essa ideia e nos levam a concluir que as traduções da ARA (“O amor nunca acaba”) ou da NVI (“o amor nunca perece”) representam bem a intenção autoral. 

O “perfeito” (tele,ioj), portanto, não tem nuança de maturidadeA presença de um contraste entre infância e vida adulta não implica necessariamente maturidade ou continuidade. O contexto é claramente escatológico. São dois tempos. A vinda de um tempo (vida adulta) elimina as coisas de outro tempo (infância). É a diferença de “dois tempos”. Dois modos de existência, não crescimento entre os tempos. Não há progresso ou continuidade entre espelho e face a face, entre infância e fase adulta e entre em parte e perfeição. É claro que há continuidade entre a fase infantil e a fase adulta. É claro que há continuidade e progresso de conhecimento entre o que se vê no espelho e o que se vê diretamente, pois o objeto de conhecimento é o mesmo, mas o ponto de Paulo é o que não continua (descontinuidade) entre os dois tempos; entre o agora e o futuro. No futuro teremos perfeição; hoje não. No futuro ainda teremos o amor; os dons não. O mesmo acontece com a parábola do Senhor Jesus onde o reino é comparado a uma semente e uma árvore. A ilustração não exige crescimento, mas dois estágios no Reino de Deus. Novamente podemos dizer: é claro que entre a semente e a árvore há crescimento e progresso, mas esse não é o ponto da argumentação. Assim, a ideia de “parte e todo” da expressão evk me,rouj não exige continuidade. Não saberei o que é a parte pelo todo ou o contrário. O “todo” elimina “a parte”. A ênfase está na descontinuidade. Assim, a relação da expressão “em parte” (evk me,rouj) com o “perfeito”(tele,ioj) é de “parte e todo”, porém em descontinuidade.

Se o “perfeito” fosse somente uma ampliação ou completude e/ou maturidade do dom, a declaração comparativa-contrastante com “o amor não se acaba” não faria o menor sentido, pois teríamos a seguinte argumentação: o amor “jamais acaba”, os dons também não acabam, eles serão complementados e/ou aperfeiçoados. A pergunta que não quer calar é: então em que sentido o amor jamais acaba ou perece em contraste com os dons? Em que sentido o amor é o caminho sobremodo excelente? Quando o “em parte” chega à perfeição, só fica o amor e não o amadurecimento dos dons (o que pressuporia ainda a sua permanecia). O fato é que os dons não permanecem com a vinda da perfeição.


4. A relação entre evk me,rouj e os dons é explicativa (ga,r). Os dons irão acabar (katarge,w) porque eles se dão evk me,rouj. Reconhece-se que a expressão “em parte”, em si, não tem denotação temporal, mas partitiva. Contudo, a estrutura maior da argumentação dá a ela uma conotação temporal. Os dons são evk me,rouj porque pertence a esse tempo – o agora (cf. v.12 - a;rtito,te [2 vezes]). É “em parte” porque não “permanece”. Nosso “agora” é “em parte” porque não chegamos ainda à “perfeição”. A expressão é uma referência ao “agora” (cf. v.12 - a;rtito,te [2 vezes]). A natureza “em parte” marca o nosso agora. O “perfeito” não completará o “agora” (numa relação de continuidade), mas o fará “desaparecer” (cf. v.10). A chegada ou vinda (elemento temporal) do “perfeito” ou da fase adulta (v.11) faz com que o “em parte” desapareça e com ele os dons, o espelho, a infância e tudo que é temporal – ficando somente o amor. 





5.      Quando se diz (e eu dizia isso) que o “perfeito” é a “maturidade revelacional” (apontando para o cânon), além de ignorar o contexto escatológico (cf. ponto 3 e 4 – contraste temporal); tal perspectiva iguala revelação com inspiração. Ora, o campo da revelação é muito maior que o da inspiração. Paulo (cf. 2Co. 12.4), João (cf. Ap. 10.4), os profetas de Corinto (1Co. 11-14), as filhas de Felipe (21.9) receberam revelações que não foram registradas (inspiração) para a comunidade do povo de Deus de todos os tempos e lugares. Toda revelação deveria ser julgada pela revelação inspirada – escrita (Dt. 13.1-2). Nem toda revelação tem autoridade sobre todas as pessoas de todos os tempos. Somente a mensagem inspirada e preservada em forma escrita tem essa autoridade.


6.      A vinda do tele,ioj “perfeito” (ou “perfeição”) revela a temporalidade, e por conseguinte, as limitações dos dons. Eles não duram para sempre. Portanto, o tele,ioj ainda não veio, pois dessa forma não teríamos agora (nuni,) fé e esperança (v.13). Eles permanecem porque o “perfeito” ainda não veio. Quando este vier, somente o amor permanecerá – ai está sua grandeza.


Findarei com uma meditação. Geralmente quando o assunto é 1 Coríntios 13, o amor fica de lado em favor da identidade do “perfeito” e da temporalidade (ou não) dos dons. Considerando a tese maior de Paulo (a natureza eterna do amor), um dos primeiros pensamentos que me veio à mente foram as palavras do ateu Jean-Paul Sartre: “nenhum ponto finito faz qualquer sentido, se não tiver um ponto de referência infinito”.


É exatamente isso que Paulo está nos assegurando nos primeiros três versos do capítulo 13. Ou seja, o amor (avga,ph), que é eterno, é o que dá sentido a tudo. Pensei em Adão e na essência da lei – amor a Deus e ao próximo. Seguramente essa mesma Lei já estava lá tanto na consciência de Adão como na ordem de Deus – não comerás, porque morrerás. Comer do fruto era desobedecer a Deus (portanto, não amá-lo) e não pensar no próximo (Eva e descendência), pois traria morte para eles.


Lá estava o primeiro homem em um lugar perfeito e com uma mulher perfeita. Contudo, não amando sua esposa (e descendentes também) e muito menos a Deus, pecou. Poderíamos dizer: “Adão, oh velho Adão, não vês que é o amor que dá sentido ao paraíso, à sua relação com sua esposa e tudo mais? Ele, o amor, é eterno, as demais coisas são relativas. Adão, velho homem, não substitua o eterno pelo passageiro; antes, tome o passageiro à luz do eterno. Oh Adão, se não tiver amor, nada aproveitará, nem mesmo o paraíso; se não tiver amor, nada será”. 


É o eterno que dá sentido ao passageiro. O amor jamais acaba!



Perfil

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Rômulo Monteiro alcançou seu bacharel em Teologia (Seminário Batista do Cariri – Crato/CE) em 2001; concluiu seu mestrado em Estudos Bíblicos Exegéticos no Novo Testamento (Centro de Pós-graduação Andrew Jumper – São Paulo/SP) em 2014. De 2003 a 2015 ministrou várias disciplinas como grego bíblico e teologia bíblica em três seminários (SIBIMA, Seminário Bíblico Teológico do Ceará e Escola Charles Spurgeon). Hoje é professor do Instituto Aubrey Clark - Fortaleza/CE) e diretor do Instituto Bíblico Semear e Pastor da PIB de Aquiraz.-CE Casado com Franciane e pai de três filhos: Natanael, Heitor e Calebe.