Um presente de natal


Joaquim Montenegro tinha 10 anos quando passou por uma experiência transformadora em uma noite de natal. Era um garoto comum. Nada nele chamava atenção. Era franzino; mediano nas notas da escola; não era rebelde, mas também não era um exemplo de obediência. Se faltasse uma aula, poucos notariam. Sua ausência não ocasionava carência e sua presença não fazia muita diferença.
Seus pais, porém, eram pessoas bem relacionadas. Na véspera de natal, costumavam passar por várias casas para desejar “feliz natal” aos seus amigos e familiares. A maratona começava cedo, pois a última parada era na casa dos seus avós maternos. E eles precisavam chegar cedo – exigência do velho casal. Portanto, às cinco da tarde Joaquim já estava banhado e pronto para “a peregrinação do natal” – era assim que o pai dele denominava esse momento.
Nessa “peregrinação natalina” Joaquim tinha a oportunidade de falar com seus primos, tios e avós. As conversas sempre eram as mesmas: “Como está?”, “Ainda mora no mesmo lugar?”, “E aí, passou de ano?” Os comentários sempre eram os mesmos também: “Como ele cresceu!”, “Já está um homenzinho”. Os comportamentos eram sempre os mesmos: abraços, sorrisos e apertos mãos.
Em todas as casas as mesas eram sempre fartas: aves, peixes, frutos do mar e doces. Em quase todas as casas Joaquim ganhava um presente – até dois às vezes. Dos avós paternos ganhou um carro de controle remoto; dos tios maternos um tablet de última geração; de um dos seus primos um jogo de vídeo game último lançamento. Eram tantos os presentes que Joaquim não conseguiu abrir todos naquela noite.
Na penúltima parada, seus pais foram à casa de um amigo de infância. Não foi algo combinado. Por algum motivo desconhecido, seus pais desviaram a rota da velha peregrinação. Joaquim nunca tinha ido lá. E lá, ao contrário das outras casas, tanto o clima quanto o cenário eram bem diferentes. As comidas não eram as mesmas – nem em qualidade, nem em quantidade. As crianças brincavam com carrinhos e bonecas velhas. A famosa árvore de natal sequer estava exposta – simplesmente porque não exista. Joaquim percebeu que os abraços eram mais delongados e intensos. Os comentários não eram cheios de clichês banais; tratavam-se conversas longas e densas. Aqui havia lágrimas. Muitas lágrimas. E os sorrisos eram tímidos. Quase imperceptíveis. Porém, verdadeiros.
Seus pais se despediram, mas antes de sair, o chefe da família – um homem de dois metros de altura – aproximou-se de Joaquim, ajoelhou-se e lhe deu mais um presente. A despeito de sua altura, Joaquim não temeu sua aproximação. Seu olhar, doce e convidativo, falava mais alto que sua envergadura ameaçadora. Joaquim agradeceu e juntou seu novo presente aos demais que ainda permaneciam embrulhados. Durante a viagem, já usando seu novo tablet, vez por outra olhava de soslaio para o presente do gigante. Mas, a embalagem não era atraente o suficiente para que ele abandonasse seus novos aplicativos e o cheiro de plástico novo de seu tablet.
O clima da penúltima casa passou para dentro do carro. Seu pai permaneceu compenetrado e silencioso; sua mãe olhando pelo vidro ao lado chorava baixinho – Joaquim contemplava a cena pelo reflexo. Eram lágrimas misteriosas. Ele não conseguia interpretá-las. Na verdade, elas o confundiam, pois ele sabia que, de alguma maneira, havia alegria nelas.
Joaquim, então, resolveu quebrar o silêncio:
– Ganhei muitos presentes pai!
– Que bom! – o pai respondeu rápido, porém não ríspido, indicando claramente que não queria desenvolver a conversa.
Joaquim tentou abrir a conversa novamente:
– Que presente o senhor achou melhor pai? Qual o melhor presente que ganhei?
Seu pai respirou fundo e, de repente, sem prelúdio, um outro carro vindo em direção contrária invadiu a faixa do carro da família Montenegro. A batida foi muito forte. O carro caiu descontrolado em um grande precipício.
Depois de uma série de capotagens, o carro só foi parado quando bruscamente se chocou com uma árvore. Alguns minutos se passaram, Joaquim abriu os olhos, e com a visão turva viu sua mãe desfalecida e coberta de sangue. Estava certo de que ela havia morrido. Buscou encontrar seu pai e o viu abraçado ao volante igualmente tomado de sangue, mas ainda com sinais de vida.
Depois de uns minutos de silêncio total no carro, Joaquim pode ver seu pai, com muita dificuldade, apontando para um lugar. Ele acompanhou a direção da mão de seu pai e viu o presente do gigante de olhar doce. Olhou de volta para o pai. Já desfalecendo o chefe da família Montenegro pronunciou, digo, balbuciou suas ultimas palavras: “Meu amado filho, esse é o melhor presente”.
Por horas Joaquim ficou chorando diante de seus pais mortos e do presente misterioso. Depois que as lágrimas secaram, ele abriu vagarosamente o presente – como se fosse um ritual. Depois de desfeito o embrulho, voltou a chorar. Acariciava o presente com quem afaga uma criança. Seus dedos cheios de sangue tocavam cuidadosamente o embrulho. Nele havia um bilhete que dizia: “Toma e come”. Contemplou o presente por horas e dormiu profundamente com o rosto literalmente enfiado no presente. E sonhou.
Eis o sonho de Joaquim:
Joaquim se viu no carro dos seus pais indo para primeira casa na famosa “peregrinação do natal”. “O tempo voltou?”, pensou ele. Seus pais conversavam e sorriam. Mas agora, diferente do início da sua peregrinação de natal, ele não estava sozinho no banco de trás. Ao seu lado estava um homem vestido de branco reluzente e um rosto que expressava firmeza e consolo.
– Quem é o Senhor? Perguntou assustado.
– Logo saberá. Respondeu com voz penetrante e um leve sorriso de canto o homem de branco.
Ao entrar na primeira casa Joaquim percebeu que somente ele via o homem de branco. Ele ficava sempre ao seu lado. Como de praxe, recebeu presente, deu presentes, abraçou, foi abraçado, aperto de mãos pra cá, tapinha nas costas pra lá e as mesmas conversas.
– O que você vê Joaquim? Perguntou o homem de branco.
– Como assim, o que vejo?
– O que você vê Joaquim? Perguntou o homem, passando a mão nos olhos do garoto e retirando deles escamas.
Joaquim olhou ao redor e disse:
– Vejo satisfação em coisas banais.
– Vejo esperança vazia.
– Vejo pessoas se promovendo por meio de presentes.
– Vejo pessoas confiando em suas obras.
– Vejo competição.
– Vejo ostentação.
– Vejo crianças egoístas e mimadas.
– Vejo comida e bebida que perecem.
– Vejo brinquedos que quebram.
– Vejo o Diabo feliz.
– Vejo a cegueira.
– Vejo Papai Noel.
– Continue olhando Joaquim.
– O que ele diz para as crianças?
– Que elas são boas e podem ser boas ao ponto de merecerem presentes.
– Olhe para as crianças Joaquim. O que você vê?
– Vejo pessoas más. Não somente pessoas que fazem coisas erradas, mas pessoas más. Pessoas privadas da mensagem do Evangelho.
– O que mais?
– Vejo a manjedoura sem a cruz.
– Vejo a cruz sem a ressurreição.
– O que você NÃO está vendo Joaquim?
– Não vejo o Evangelho.
– Não vejo salvação.
– Não vejo fé em Deus.
– Não vejo adoração.
Joaquim parou e olhou profundamente nos olhos do homem de branco.
– Não vejo Jesus. Não vejo o Natal.
Em cada casa o discurso se repetia. Joaquim dizia o que via e o que não via. Até chegar novamente à casa do Gigante de dois metros.
– O que vê Joaquim?
– Vejo o Evangelho.
– Vejo arrependimento.
– Vejo corações quebrantados.
– Vejo satisfação plena em Deus.
E com um leve sorriso de canto e com olhar fixo nos olhos do homem de branco disse:
– Vejo Jesus.
– Não somente você – Disse o homem de branco com sorriso aberto e contagiante.
Joaquim olhou e viu toda aquela família abraçando o homem de branco. Do menor ao maior. Todos se deliciavam com sua presença. A brancura de suas roupas alvejava a roupa dos que o abraçavam. Ele era doce e altivo. Consolador e Santo. Perto e distante. Resplandecente e amoroso. Naquela casa, o homem de branco sentava na cabeceira da mesa e todos alegremente o ouviam. Todos ansiavam por suas palavras.
Então, a cena do presente se repetiu. O gigante deu o presente para Joaquim como da primeira vez.
O homem de branco questionou:
– O que vê Joaquim?
– Vejo o melhor presente.
– Por que é o melhor presente jovem Montenegro?
– Porque me revela o Presenteador.
– E o que Presenteador presenteia?
– Ele mesmo.
– O que vê Joaquim?
– Vejo o natal. Vejo Jesus. Vejo o meu Senhor e o meu redentor.
Quando acordou, já na cama do hospital, foi avisado da morte dos seus pais. Doeu muito. Mas ele sabia que as lágrimas de sua mãe no carro vinham de um coração quebrantado e arrependimento; e a compenetração de seu pai, de uma mente renovada.
Os anos se passaram. Joaquim teve uma filha linda que recebeu o nome de sua mãe – Abigail. Um dia Abigail tomou uma Bíblia velha na estante a foleou e percebeu que manchas de sangue marcavam quase todas as páginas dela. Em uma, em especial, havia mais sangue. E em um versículo havia uma marca de boca, como se alguém tivesse beijado aquele versículo específico que dizia:
“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu filho unigênito para que todo aquele que nele crer, não pereça, mas tenha a vida eterna”.
Abigail entendeu porque seu pai, quando recebia um presente, sempre dizia: Eu já recebi o melhor. Eu recebi a Jesus.

Conselhos a Jovens Pastores Batistas

Teoricamente igrejas batistas são autônomas.
Sinceramente, quando vivi a realidade de uma associação batista, não me lembro de ter testemunhado isso na prática. Na minha experiência, essa ideia ficou presa no mundo dos compêndios de teologia, nos empoeirados e ignorados estatutos (quem os lê?) e em discursos comprometidos. Mas, reconheço que pode ser um lapso de memória; e espero que minha experiência não represente a sua realidade.
Até onde lembro, quando participava de reuniões de pastores batistas (presbitério batista?), os mais influentes (geralmente muitos galgam tal status por boas razões, mas os mantém por péssimas práticas) vez por outra usavam, em tom de prudência, sabedoria e respeito à autonomia da igreja local e à autoridade dos colegas, a seguinte expressão: “Eu sugiro”.
Querido jovem pastor batista, quando ouvir essas “palavras mágicas”, fique alerta, pois elas poderão (não é uma regra, claro) significar: “Se você não fizer exatamente o que eu (e meu grupo de interesse; digo, o sistema) quero, fecharei todas as portas do nosso grupo até que você viva ‘à mingua dos cuidados denominacionais’ e morra na ‘sarjeta eclesiástica’”.
Disso decorrem alguns conselhos: Não se isole; no entanto, focalize sua igreja local. Trabalhe duro. Pregue com amor e dedicação. Ganhe o respeito e a admiração do seu povo. Quando precisar, critique seu grupo; revele suas limitações bem como as virtudes dos outros irmãos. Ensine que o reino não está restrito a uma tradição cristã apenas. Mostre, no dia a dia, o quanto ama sua igreja. Sacrifique-se. Pastorei. Seja compromissado com a Palavra de tal forma que seus colegas, mesmo discordando de você, temam ou evitem confrontá-lo.
Esse tipo de pastor pode até viver “à mingua dos cuidados denominacionais”, mas nunca cairá na “sarjeta eclesiástica”, pois o Reino de Deus é infinita e assustadoramente maior. Só assim a sugestão “dos influentes” realmente será somente uma sugestão! Você poderá recebê-la ou simplesmente descartá-la enquanto apresenta a sua própria.

Perfil

Minha foto
Rômulo Monteiro alcançou seu bacharel em Teologia (Seminário Batista do Cariri – Crato/CE) em 2001; concluiu seu mestrado em Estudos Bíblicos Exegéticos no Novo Testamento (Centro de Pós-graduação Andrew Jumper – São Paulo/SP) em 2014. De 2003 a 2015 ministrou várias disciplinas como grego bíblico e teologia bíblica em três seminários (SIBIMA, Seminário Bíblico Teológico do Ceará e Escola Charles Spurgeon). Hoje é professor do Instituto Aubrey Clark - Fortaleza/CE) e diretor do Instituto Bíblico Semear e Pastor da PIB de Aquiraz.-CE Casado com Franciane e pai de três filhos: Natanael, Heitor e Calebe.